Recurso solar

“Poeiras” na atmosfera e o seu impacto na energia solar

Neste artigo, Rodrigo Amaro e Silva partilha com a Solis o seu olhar sobre a nuvem de poeiras que tanto intrigou os lisboetas no passado mês de março. Motivado pela sua recente publicação na revista Renováveis Magazine, o investigador decidiu fazer um “zoom” de Portugal para Lisboa.

A produção de energia a partir dos raios que nos chegam do sol depende da existência deste recurso e, por isso, durante a noite não há produção de energia solar. Durante o dia, há outros fatores que têm impacto nessa produção, tais como a familiar presença de nuvens que, de acordo com a sua forma e composição, fazem diminuir em quantidades diferentes a intensidade da “luz” solar¹. Porém, ao longo de dois dias em março de 2022 assistiu-se a um outro fenómeno atmosférico com grande influência na energia solar: uma suspensão de poeiras anormalmente densa!

Durante os dias 15 e 16 de março, os lisboetas, assim como grande parte das populações em Portugal continental e em algumas zonas de Espanha e França, assistiram a uma gradual alteração na cor do céu. No primeiro dia, instalou-se um cinzento-claro muito diferente do de quando está um dia nublado, e no segundo tons de laranja semelhantes aos de um pôr do sol interminável cobriam os céus da cidade. Tratava-se de uma suspensão de poeiras com origem no Deserto do Saara, trazida por um fluxo vindo de Sul, e que foi levantada por ventos fortes provenientes do Norte de África pela depressão Célia, uma tempestade tropical amplamente divulgada nos meios sociais.

Além da visível acumulação de poeiras nas janelas, veículos e estradas, e da grande surpresa, e em alguns casos preocupação, revelada pelos cidadãos, este fenómeno teve também consequências ao nível da visibilidade, da qualidade do ar, e da produção de energia solar. Ao nível da produção nacional de eletricidade solar, estas poeiras levaram a uma redução média na ordem dos 52% no dia 15, dos 72% no dia 16 e dos 23% no dia 17²

¹ simplificação para fins de leitura por um público alargado, sendo o termo científico correto “irradiação” solar

² “Poeiras reduziram produção de energia solar em 50%”, Jornal de Notícias (Joana Amorim), 22/03/2021

Participação dos cidadãos👤

Em Lisboa, graças à iniciativa de uma cidadã foi possível comparar as alterações de cor, brilho e visibilidade através dos seus registos fotográficos (Figura 1), e assim perceber como a quantidade de “luz” solar que chega à cidade foi afetada ao longo de três dias.

Figura 1 – O céu em Lisboa nos dias 14, 15, e 16 de março de 2022. Fotos de Rosinara Ferreira, e montagem por Leonardo Amaro e Silva .

Esta cidadã, oriunda do sul do Brasil, todos os dias pela manhã envia para a sua família uma foto da vista do apartamento onde reside. No dia 14 assim fez, tendo ficado atenta aos avisos acerca da poeira do Saara que foram a surgindo nos media. Já no dia seguinte, não só observou a diferença na cor dos céus como também sentiu a mudança na qualidade do ar devido ao uso de lentes de contacto. No dia 16, relatou que sentiu grande desconforto nos olhos e que confessou também ter sentido dúvidas sobre como as pessoas iriam lidar com a situação, principalmente aqueles que trabalham ou vivem na rua. Assim, resolveu partilhar as fotos no twitter do Metsul (especialistas em meteorologia no Rio Grande do Sul) e do Meteored (rede internacional de entusiastas da meteorologia) e ao ver a ampla partilha das suas fotos apercebeu-se do impacto positivo da sua ação, ajudando a uma melhor compreensão deste fenómeno.

O que nos contam os dados?📊

Não se dispensa, contudo, uma análise baseada nos dados de monitorização e avaliação do estado do planeta Terra. Este tipo de informação permite compreender de forma quantitativa as consequências da suspensão de poeiras na disponibilidade do recurso solar, imprescindível para a produção de energia solar. Assim, verificou-se que nos dias 15 e 16 de março, em Lisboa, a nuvem de poeiras provocou uma redução de aproximadamente 10% e 22% na insolação diária, em condições de céu limpo e sem nuvens, conforme representado na Figura 2.

Figura 2 – Impacto das poeiras na atmosfera nos dias 15 e 16 de março, relativamente a condições de céu limpo em Lisboa (linha vermelha) e a nível nacional (linhas a cinzento).

Ao mesmo tempo, e provavelmente devido às poeiras, formou-se uma camada de nuvens densa que tornou a atmosfera ainda mais opaca e que prevaleceu até ao dia 17. Deste modo, obteve-se um efeito combinado entre poeiras e nuvens, bem visível através de imagens de satélite (Figura 3).

Figura 3 – Fotografias de satélite sobre a Área Metropolitana de Lisboa nos dias 15, 16 e 17 de março 2022. Imagens retiradas do NASA Worldview.

No gráfico seguinte, pode observar-se a percentagem de atenuação da “luz” solar desagregada entre poeiras e nuvens: nos dias 15 e 16 o efeito das nuvens duplicou o das poeiras, tendo chegado a 74% o efeito combinado no segundo dia.

Figura 4 –redução na quantidade de “luz” solar devida a poeiras e nuvens em Lisboa entre os dias 15 e 17.

Neste sentido, seria muito interessante analisar os dados de produção de sistemas fotovoltaicos instalados em edifícios e equipamentos urbanos na cidade de Lisboa, e noutras cidades do país. Este tipo de informação permitiria entender como foi afetada a produção de eletricidade solar entre os dias 14 a 17, mas também durante as semanas seguintes, uma vez que a prática de manutenção de sistemas fotovoltaicos, apesar de se aconselhar a que seja feita 1 vez por ano, é muitas vezes negligenciada. Em casos de acumulação de poeiras, é fundamental que se proceda à limpeza dos painéis solares logo que possível, correndo o risco de diminuir muito a sua produção e, como tal, a fatura da eletricidade poder sofrer alguma alteração.

Esta diminuição considerável do recurso solar não representou um desafio para a gestão da rede elétrica local, dado que o sol ainda não representa uma fonte de energia com uma presença tão elevada como seria desejável. No entanto, sendo a instalação de 103 MW de fotovoltaico uma das metas do Plano de Ação Climática 2030 da cidade (ou seja, 10 vezes mais do que em 2020!), espera-se que no futuro este tipo de fenómenos exija um plano de previsão e mitigação que assegure a segurança no abastecimento de eletricidade, o bom funcionamento e a longevidade dos sistemas fotovoltaicos em Lisboa, a 3ª capital europeia com mais horas de sol!

Este é um excelente exemplo de como a participação dos cidadãos e a disponibilidade de dados públicos permite acelerar o conhecimento acerca dos fenómenos que afetam a produção de energia através do sol.

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Quer saber mais detalhes sobre a análise dos dados feita pelo Rodrigo Amaro e Silva? Consulte o seu artigo na edição 49 da “Renováveis Magazine”.

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